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O que se vê e o que não se vê


No dia 15 de junho de 2016, após a queda de Dunga da Seleção Brasileira, o presidente do Corinthians anunciou que Tite estava deixando o clube para assumir o cargo deixado pelo capitão do Brasil na Copa de 94. O Corinthians enfim iniciava a sua segunda era pós-Tite e desta vez, nada indicava que ele voltaria tão cedo. Após o excelente Campeonato Brasileiro de 2015 e a perda de seus principais jogadores, veio uma dolorosa eliminação em casa na Copa Libertadores. O ano não parecia promissor, mas a torcida confiava em Adenor Bacchi, que no início do Brasileirão deu indícios de que poderia levar o clube além de seu limite.

A saída de seu guia deixou o Corinthians em apuros. Necessitavam de alguém que pudesse continuar o trabalho deixado por Tite. Alguém que pudesse tirar o máximo deste time, que nada se comparava à máquina campeã do ano passado. O escolhido foi Cristóvão Borges, técnico que havia sido demitido em março do Atlético-PR e que graças a Cássio, foi eliminado pelo mesmo Tite nas quartas de final da Libertadores de 2012.

O problema desta escolha é que Cristóvão Borges em nada tem a ver com Tite. Esta brusca mudança de estilo de jogo diminuiu a paciência do torcedor, que logo já reclamava de seu novo técnico. A pergunta que surgiu após sua demissão foi: Cristóvão foi vítima do desmanche da equipe campeã? Não acredito e explico o porquê, utilizando os gráficos de violinos.

Gráficos de violinos são gráficos de dispersão que apresentam a densidade de probabilidade dos dados em diferentes valores. Uma maneira simples de entender é, regiões mais "gordas" apresentam uma maior concentração de pontos do que regiões mais magras.

Em termos de aproveitamento, Cristóvão não deixou (muito) a desejar. Tite, em 8 jogos, manteve uma média de 1.63 pontos, perdendo apenas para Palmeiras, Fluminense e Vitória. Já Cristóvão teve uma média mais baixa, de 1.47 pontos. O aproveitamento de Tite, caso fosse mantido, levaria o Corinthians a uma pontuação de 62 pontos, pontuação que deixaria o time no G4 em 5 dos últimos 10 campeonatos. Nada excepcional, mas bem sólido considerando o desmanche ocorrido nesse ano. O aproveitamento de Cristóvão contudo, deixaria o time com 55 pontos, muito longe do G4.

Em contra-partida o ataque de Cristóvão era, em números frios, levemente superior ao de Tite, com uma diferença de 0.04 gols por jogo, embora o bom jogo contra o Flamengo (4x0) pode muito bem explicar esta diferença.

Muitos podem perguntar se o aproveitamento de Tite cairia ao longo do campeonato. Ou se a aparente superioridade ofensiva de Cristóvão não compensaria a queda no aproveitamento. Não há nada que indique o contrário, o futebol não é uma ciência exata. Então por que a enorme crítica à Cristóvão se a diferença de aproveitamento não era tão visível? A resposta é no estilo de jogo, algo que não podemos visualizar com estatísticas frias, mas que podemos inferir através do valor esperado de gols xG. Para quem não conhece o xG, deixo aqui uma breve explicação: o valor esperado de gol é a probabilidade de um chute resultar em gol. Chutes dados em chances claras de gol possuem xG mais alto. O xG de um time é a média dessas probabilidades em um jogo. É uma boa maneira de quantificar a criação de chances de gol de um time. Escrevi uma explicação mais profunda aqui.

Embora com apenas 8 jogos, o xG de Tite era relativamente maior do que o de Cristóvão. Os 5 jogos de Cristóvão com xG menor do que 1 não podem ser considerados como outliers, pois foram jogos cruciais para a queda de Cristóvão: empates de 1x1 em casa contra São Paulo e Cruzeiro, derrota para a Ponte Preta por 2x0 em Campinas, derrota de 2x1 para o Santos e por fim a derrota no Dérbi por 2x0 no último sábado, quando os ataques se resumiam mais a chutes de longe do que qualquer outra coisa, recurso comum dos últimos jogos do Corinthians. Da mesma forma, jogos teoricamente mais fáceis como contra o Figueirense (1x1) e Internacional (1x0) e no jogo contra o Grêmio (0x3) tiveram xG's altíssimos, maiores que 1.5, no entanto o time não conseguiu converter este poderio ofensivo em gols.

Mesmo assim, Tite também possui alguns jogos que incomodam até hoje o torcedor corintiano. O empate sem gols na estréia contra o Grêmio e a vitória de 1x0 contra o Santos possuíram um xG maior do que 2, foram os únicos jogos em que o placar 'ficou barato' para o Corinthians. Contudo, Tite só teve um jogo abaixo de 1 em xG e foi na vitória contra o Sport em Recife. Enquanto Cristóvão não convencia, Tite compensava a falta de pontaria de seus atacantes com a sua marca registrada: a defesa, sendo aqui representada pelo xGC - valor esperado de gols contra.

Este é o quesito onde o Corinthians de Tite se destacava: a qualidade de impedir a criação de chances do adversário. Mesmo no jogo contra o Vitória (que aproveitou as 3 chances que teve), onde o time tomou 3 gols, Corinthians teve um xGC de 0.82. Os dois maiores valores na distribuição de Tite foram nos seus dois últimos jogos, derrotas contra Palmeiras e Fluminense.

Cristóvão passou a decair nos últimos jogos. Em suas 10 primeiras partidas, o Corinthians só teve um xGC maior do que 1 contra o Atlético-MG (1x2) e São Paulo (1x1), mantendo uma ótima média. A partir da 20ª rodada é que a defesa começou a desmoronar. Todos os jogos do returno com exceção à vitória contra o Vitória, o time teve um xGC maior do que 1.2. E ainda, desconsiderando os jogos contra Ponte Preta (0x2) e Sport (3x0 - onde o Sport teve muitas chances de gol), Cristóvão teve apenas jogos com xGC maior que 1.6 no returno, um número perigosamente alto. Para se ter uma noção, o time com maior valor esperado de gols contra por jogo no campeonato hoje, até a 25ª rodada, é o Vitória, com um xGC de 1.65.

As primeiras 8 rodadas do Corinthians não foram as que o torcedor mais sonhava, mas foram o suficiente para deixar o time perto do G4. Tite compensava a falta de qualidade no ataque com uma defesa sólida. Esta sua forte característica provavelmente levaria o time a disputar uma vaga na Libertadores, mesmo com suas deficiências. O mesmo não pode ser dito de Cristóvão. Embora tenha deixado o Corinthians na mesma 5ª colocação que assumiu, a projeção a longo prazo não era boa para o Timão, tendo que enfrentar as ameaças crescentes de Santos, Ponte Preta e Fluminense.

Entretanto, a mudança de técnico não deve ser a única razão para a crise corintiana. No momento, o Corinthians possui a segunda melhor média de xG do Brasileirão (atrás, bem atrás do Palmeiras) e a terceira melhor média de xGC (atrás de Ponte Preta e Palmeiras). A queda de rendimento com Cristóvão é visível, mas ela poderia ter sido suavizada ou até mesmo evitada se o Corinthians tivesse um atacante como Gabriel Jesus ou Chávez no seu elenco, os dois melhores jogadores em xG no campeonato, alguém que convertesse as chances criadas pelo time. Romero é o corintiano com maior xG do campeonato, mas seu valor é quase a metade de Leandro Damião do Flamengo.

Por fim, Cristóvão Borges se despede sem deixar saudades no torcedor, que sonha em voltar a ter um treinador que, ao se despedir, repita cenas como essa:

Sobre

Inspirados em livros como Soccermatics de David Sumpter e Moneyball de Michael Lewis, decidimos utilizar conhecimentos em data science para traduzir em números o maior espetáculo que temos em solo brasileiro.​

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