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Zé, Jair e a ascensão dos novos técnicos


Desde a desastrosa semifinal da Copa do Mundo de 2014 contra a Alemanha, o debate sobre a renovação dos técnicos brasileiros foi um dos principais tópicos de discussão das mesas redondas do jornalismo esportivo. A substituição de Felipão por Dunga, a troca do técnico vitorioso que parou no tempo por um que sequer teve experiência no cargo antes de assumir a Seleção, ampliou o debate sobre a crise na oferta de bons técnicos no Brasil. Desde o início da década, apenas dois treinadores brasileiros ganharam amplo respeito por seus trabalhos em terras tupiniquins. Tite, que ganhou tudo o que pôde pelo Corinthians, finalmente alcançou a Seleção, onde realiza um excelente trabalho (uma análise de Tite feita pelo blog inglês O Canarinho com ajuda do Projeção de Gol pode ser conferida aqui). Cuca, embora não seja unanimidade como Tite, conquistou a Libertadores pelo Galo em 2013 e está perto de conquistar o Campeonato Brasileiro deste ano pelo Palmeiras.

Luxemburgo, Felipão, Leão, Parreira, Antônio Lopes. Houve um tempo quando tínhamos técnicos que realizavam trabalhos consistentes, seja no Brasil ou no exterior. O tempo passou e estes consagrados treinadores ficaram pelo caminho. Dos 13 treinadores campeões brasileiros dos últimos 21 anos, apenas Marcelo Oliveira, Paulo Autuori e Oswaldo de Oliveira estão trabalhando na Série A. Marcelo Oliveira, embora atual campeão da Copa do Brasil, foi duramente criticado por seu trabalho no Palmeiras e hoje não é unanimidade no Atlético-MG. Paulo Autuori realiza seu primeiro bom trabalho em anos no Atlético-PR. Já Oswaldo de Oliveira é inconstante, seu melhor trabalho desde a volta ao Brasil foi justamente no Botafogo em 2012 e 2013. Entre os outros 10 técnicos e à exceção de Tite, apenas Felipão comanda um time de "expressão": o Guangzhou Evergrande da China.

Embora nesta edição do Campeonato Brasileiro tenhamos treinadores experientes e que realizam bons trabalhos como Mano Menezes, Caio Júnior e Dorival, nenhum deles representa alguma mudança significativa no ambiente do futebol. O que o Brasil necessita hoje é algo que a Argentina já possui (algo que o Professor Luxemburgo não conhece). Uma escola de treinadores de alta qualidade que produz técnicos atualizados com o que há de novo e de melhor no cenário do futebol mundial. Pochettino, Sampaoli, Simeone, Berizzo. Exemplos de professores que batem de frente com os melhores do mundo.

Nos últimos dois anos, cito quatro jovens técnicos que talvez apresentem uma nova mudança no cenário do futebol brasileiro. Todos começaram como apostas. Ressalto aqui a coragem e o comprometimento com o trabalho de cada treinador que as direções de seus respectivos clubes tiveram ao contratarem treinadores sem muita experiência. Zé Ricardo, que havia comandado a categoria de base do Rubro-Negro, assumiu o Flamengo de forma interina após a saída de Muricy Ramalho. Apresentou um bom futebol no 1º turno, iniciando o returno na 4ª colocação. A chegada de Diego contudo, mudou a dinâmica do time. O Flamengo saiu de um aproveitamento de 59.6% na primeira metade da competição para 66.6% de aproveitamento na metade final, pelo menos até o momento em que escrevo este artigo, antes da 34ª rodada. Além disso, o valor esperado de gols xG do ataque rubro-negro saltou de meros 1.25 no 1º turno para absurdos 1.82 no 2º turno, melhor marca atualmente (a explicação do valor esperado de gols xG você encontra aqui). Consequentemente, a média de gols por jogo cresceu de forma similar: de 1.21 gols por jogo para 1.71 gols por jogo no returno.

Além de criar chances de gol com qualidade, o Flamengo constantemente ameaça o seu adversário como podemos ver no gráfico abaixo, que relaciona a média de finalizações por jogo de cada time com a quantidade de finalizações necessárias para marcar um gol. Junto com o Palmeiras, a equipe da Gávea possui uma alta média de finalizações por jogo e seu ataque exige poucas finalizações para marcar um gol. O Flamengo, principalmente neste 2º turno, joga um futebol ofensivo e objetivo que é bonito de se ver.

O bom desempenho ofensivo não se repete na defesa. A chegada de Diego pode ter deixado time mais ofensivo, mas isto se deu às custas de uma defesa exposta. O valor esperado de gols contra xGC por jogo do Flamengo cresceu de expressivos 1.05 no 1º turno para 1.22 no returno - número nada animador se comparado a seus adversários pelo título - 0.95 do Palmeiras e 1.17 do Atlético-MG. Não é a toa que dos últimos 15 jogos do Brasileirão, o Flamengo só não sofreu gol em 4 partidas. Abaixo podemos ver esta mudança do 1º para o 2º turno de Botafogo, Flamengo e do líder Palmeiras para efeito de comparação.

Mas é neste critério defensivo que o Botafogo de Jair Ventura se destaca. O filho do eterno camisa 7 da Seleção de 70, havia comandado a categoria de base do Botafogo antes de assumir de forma interina a equipe principal, que havia perdido Ricardo Gomes para o São Paulo. A melhor defesa do returno é de longe, a do Botafogo. 5 gols em 14 partidas e o melhor xGC do returno com 0.88, é uma marca invejável. Tal superioridade defensiva rendeu ao Glorioso a liderança do 2º turno, com 73.8% de aproveitamento e uma provável vaga para a Pré-Libertadores, nada mal para quem assumiu o time na zona do rebaixamento. O Botafogo joga um futebol cauteloso e inteligente. Defende-se bem primeiro para atacar depois. Gosta de trabalhar a bola e usa seus laterais com eficiência no ataque (Victor Luís por exemplo, já possui 4 assistências em 16 jogos).

É bom lembrar ao olharmos este gráfico que sua divisão em quadrantes e as respectivas classificações servem apenas como guia. Defesas mais à esquerda e mais acima são mais sólidas do que defesas mais à direita e abaixo. A defesa do Botafogo está tão longe do normal (ou seja, um outlier) neste returno que sua classificação como ''competente e ocupado" não é inteiramente verdadeira. Embora a quantidade de finalizações concedidas seja maior do que metade dos times do Brasileirão, o fato de sofrer um gol em mais ou menos 33 finalizações concedidas não o torna uma defesa simplesmente competente e ocupada, mas sim, mais sólida do que qualquer outra do Campeonato.

O bom trabalho destes dois jovens treinadores é visível no gráfico abaixo, que mostra o valor esperado de saldo de gols xSG por partida do 2º turno do Campeonato Brasileiro. As duas equipes cariocas e o líder Palmeiras dominam este critério específico nesta segunda metade do campeonato. A vantagem de observarmos o xSG é que ele consegue integrar tanto o poderio ofensivo como o defensivo em uma única variável.

Além destes dois técnicos, Roger Machado substituiu Felipão no Grêmio de forma brilhante. Um time de toque de bola envolvente, boa criação de jogadas e paciência na hora da finalização. Roger indicou que possui um grande futuro no futebol, embora erros constantes na defesa e a falta de pulso em jogos decisivos tenham levado à sua saída. Outro técnico que vale a pena ser lembrado é Eduardo Baptista, campeão da Copa do Nordeste e do Campeonato Pernambucano pelo Sport em 2014, que realizou excelentes campanhas pelo Leão da Ilha nos Brasileiros de 2014 e 2015 e hoje lidera a Ponte Preta em uma sólida campanha no Brasileirão deste ano.

Os 4 treinadores citados ainda não são técnicos de amplo respeito no futebol brasileiro, mas apresentam estilos de jogo inteligentes e que se destacam em meio a técnicos mais experientes. Neste sábado, dia 05 de novembro teremos o confronto entre Flamengo x Botafogo, válido pela 34ª rodada do Brasileirão. Hoje temos um time brigando pelo título brasileiro enquanto o outro luta por uma vaga na Libertadores. Se mantiverem um trabalho sólido, se continuarem a se adaptar ao futebol moderno, se reconhecerem que existem coisas boas a serem importadas do futebol mundial, podem aspirar a coisas maiores.

Sobre

Inspirados em livros como Soccermatics de David Sumpter e Moneyball de Michael Lewis, decidimos utilizar conhecimentos em data science para traduzir em números o maior espetáculo que temos em solo brasileiro.​

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